Como falar com crianças

 

Nascemos dotados de duas orelhas e uma só boca, mas, na prática, usamos a boca para falar, muito mais do que os dois ouvidos que temos.

Muitos dos problemas emocionais que temos resultam desse fato. A maioria das pessoas não tem “ouvidos” para o que outras pessoas têm a dizer. Ficamos impacientes para impor os nossos pensamentos, a nossa opinião aos outros e até a nós mesmos.

A maioria das pessoas não aprende a “ouvir” o que é dito externamente, para então poder ouvir os seus pensamentos internos. Significa saber meditar, refletir e decidir depois de analisar. Significa ouvir-se.

Na era eletrônica em que vivemos, somos consumidores vorazes da avalanche diária de informações que nos chegam pela mídia social. Muitos de nós, que já sofrem de adicção eletrônica, carecem de tempo e paciência para dialogar.

A totalidade da humanidade convive socialmente com outras pessoas. Algumas pessoas mais, outras menos. A quase totalidade da humanidade é pai ou mãe de filhos.

E como anda a comunicação com os filhos nessa era de pouco tempo disponível? Quantos pais e mães estão sabendo dialogar com os seus filhos, sabendo educá-los para a vida, pois essa função não cabe às escolas, cuja finalidade é principalmente transmitir conhecimento de assuntos específicos. A personalidade é moldada em casa, não na escola. A responsabilidade paternal/maternal não deve ser terceirizada para as redes sociais. Aliás, é salutar privar a criança menor de 10 anos do contato intenso com a internet. Estabelecer um tempo máximo por dia e encontrar um método de monitorar o conteúdo acessado. Melhor ainda é presentear um filho com um instrumento musical que possa aprender a tocar (Mozart deu seu primeiro concerto musical aos 5 anos de idade).

Portanto, é preciso saber falar com os filhos e com as crianças em geral.

O primeiro requisito é: tratar a criança como pessoa integral, que tudo entenderá se lhe for falado em linguagem que compreenda.

Posicionar-se de modo a olhar a criança nos olhos, em ângulo paralelo. Agachar-se se for necessário ou pegar a criança no colo ou nos braços se a idade dela e as circunstâncias sociais o permitirem.

Estabelecer empatia. Chamar a criança pelo nome. Não levantar o tom da voz. Nunca gritar com uma criança. Conquistar a atenção da criança para o que tenha a dizer a ela ou para ouvir o que ela tenha para dizer ao adulto.

Falar o essencial, de modo breve e simples. Quer saber se a criança entendeu? Pedir-lhe para reproduzir com suas próprias palavras o que lhe foi dito. Se ela não tiver entendido, não a censurar ou criticar. Será o adulto que não terá sido eficaz na comunicação.

Ser positivo. Por exemplo: a criança está correndo dentro de casa e o adulto não quer isso: ao invés de impor uma proibição, estabelecer uma contrapartida: “em casa andamos e lá fora você pode correr à vontade”. Outro exemplo: o adulto quer que a criança se vista: ao invés de dar a ordem: “vista-se” ou melhor, “vista-se por favor”, diga-lhe: “vista-se para você depois poder ir lá fora e brincar”.

Use a palavra “quando” ao invés de “se”: “Quando você tiver escovado os seus dentes, assistiremos ao filme” ao invés de “se você não tiver escovado os seus dentes, não assistiremos ao filme”. Positivo e não negativo.

Pedir ao invés de ordenar: “gostaria que você fosse pontual” ou “por favor, seja pontual” ao invés de “seja pontual” dito enfaticamente.

Envolver a criança no planejamento de ações: suponhamos que o adulto esteja planejando uma viagem da família no fim de semana: perguntar à criança o que ela acha da ideia. Pedir a opinião dela, mas estar preparado para o caso da ideia dela ser diferente da do adulto: então, o adulto precisará negociar para chegar ao consenso da maioria (supondo que há outros familiares participando da conversa). Se houver apenas o adulto e a criança e a ideia dela divergir da do adulto, negociar uma alternância: “ok, esta semana vamos ficar em casa porque você (a criança) prefere ir assistir a uma partida de futebol”. Em troca, a criança se compromete a acompanhar o adulto na viagem em outra ocasião.

Haverá situações não negociáveis, porque isso envolverá estabelecer limites. Ainda assim, fazer um esforço muito grande para convencer a criança quanto à necessidade de impor aquele limite. A imposição será aceita pela criança quando ela entender sua lógica. Evitar estabelecer limites apenas por um capricho do adulto. Isto será um convite à burla, à transgressão e à omissão de feedback ao pai ou adulto e poderá resultar em alienação parental. Se a criança não confiar nos pais ou adulto ou tiver medo deles, ela buscará compreensão fora de casa, muitas vezes nas rodas dos traficantes que vendem drogas para consolá-la. E desvencilhar-se das drogas é algo reservado a poucos.

Em havendo infração a limites estabelecidos, a criança deve, sim, ser punida. Nunca deverá ser um castigo físico, mas a punição deverá causar incômodo emocional à criança para que haja um aprendizado.

Portanto, uma importante missão na vida de um pai ou de uma mãe é tornar-se confidente de um filho. Ser o seu porto seguro, a quem tudo ou quase tudo possa contar e em troca receber compreensão ou educação corretiva. Para tanto, os pais precisam estar temporalmente disponíveis para os filhos e participar intensamente da vida das crianças até que elas alcancem a maturidade para decidirem sua vida por si mesmas.