Casal : como evitar a crise do casamento após o primeiro filho?

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Hoje mais do que nunca, o nascimento de um filho representa um risco de crise para o casal. Eis aqui nossos conselhos para superar as turbulências do pós-bebê e construir sua nova família sobre bases positivas.

Crise após a chegada do bebê: as chaves para evitá-la

« Mathieu e eu estamos contentes por nos tornarmos pais em breve. Nós desejamos muito esse bebê e esperamos por ele ansiosamente. Porém, vimos tantos casais de amigos à nossa volta se separarem apenas alguns meses após a chegada do pimpolho que estamos preocupados!  Será que o nosso casamento também vai desmoronar? Esse “acontecimento feliz”, tão aplaudido por toda a sociedade, vai acabar se tornando um cataclisma?”

Blandine e seu companheiro Mathieu não são os únicos futuros pais que temem o chamado ‘baby- clash’, a crise após a chegada do primeiro filho. Trata-se de um mito ou de uma realidade?  Segundo o Dr. Bernard Geberowicz*, esse fenômeno é bem real : «Cerca de 20 a 25% dos casais se separam nos primeiros meses após o nascimento do bebê”. E o número de conflitos em andamento cresce constantemente”.

Como um recém-nascido pode colocar em perigo o casal de pais a esse ponto? Diversos fatores podem explicar isso. Primeira dificuldade enfrentada pelos pais de primeira viagem, passar de dois a três exige dar lugar a um minúsculo intruso. É preciso mudar o ritmo de vida e renunciar aos pequenos hábitos de vida do casal. Acrescente-se a essa limitação o temor de não conseguir dar conta do recado, de não estar à altura desse novo papel e decepcionar o(a) parceiro(a). A fragilização emocional, o cansaço físico e psicológico, tanto para ela como para ele, também pesam -- e muito! -- sobre a harmonia conjugal. Sem mencionar que não é nada fácil aceitar o outro com suas diferenças e sua cultura familiar que infalivelmente vêm à tona  assim que a criança entra em cena.

O Dr. Geberowicz sublinha que o aumento das crises após o nascimento de filhos com certeza também está ligado ao fato de que, na França, a média de idade dos pais por ocasião do nascimento do primeiro filho é de 30 anos.  Os pais, especialmente as mulheres,  acumulam as responsabilidades e atividades profissionais, pessoais e sociais. A maternidade sobrevém em meio a todas essas prioridades, de modo que as tensões correm o risco de serem mais numerosas e mais relevantes para as mulheres. Além do mais, e isso é digno de nota, hoje em dia os casais têm mais tendência a se separarem assim que aparece uma dificuldade. O bebê, portanto, atua como um catalisador que revela ou até amplifica os problemas já existentes entre os dois futuros pais antes da sua chegada. Isso permite compreender melhor porque começar uma família representa um momento tão sensível.

Aceitar as mudanças inevitáveis

Mesmo assim, não é preciso fazer drama! Um casal apaixonado pode perfeitamente administrar essa situação de crise, desmontar as armadilhas e os mal-entendidos para evitar o chamado ‘baby-clash’ -- o conflito decorrente da chegada de um filho. A primeira coisa é manter a lucidez. Nenhum casal consegue ficar imune a isso, pois a chegada de um recém-nascido forçosamente desencadeia turbulências.  Imaginar que nada vai mudar só piora a situação ainda mais. Os casais que escapam ao ‘baby-clash’ são aqueles que, desde a gravidez, antecipam que haverá remanejamentos e que o equilíbrio será alterado; são aqueles que compreendem e aceitam essa mudança, preparando-se para isso sem pensar na vida a dois como um ‘paraíso perdido’.

O passado da relação não deve ser a referência de felicidade -- é preciso redescobrir, juntos, uma nova forma de ser feliz. Fica difícil imaginar qual o tipo de sensação de realização que o bebê vai proporcionar a cada um dos pais, pois isso é algo muito pessoal e íntimo. Por outro lado, é essencial não cair na armadilha da idealização e dos estereótipos. O bebê real, aquele que chora e não deixa os pais dormirem, não tem nada a ver com a criança perfeita que foi imaginada durante nove meses! Aquilo que a gente sente não tem nada a ver com a visão idílica que se tinha sobre o que é ser pai ou mãe, e sobre o que é ser uma família.  Tornar-se pai ou mãe não é só felicidade, e é essencial reconhecer que somos como todo mundo. Quanto mais aceitarmos nossas emoções negativas, nossa ambivalência ou mesmo nosso arrependimento por termos entrado nesse barco, mais conseguiremos afastar o risco de uma separação precoce.

Esse é o momento de apostar na solidariedade conjugal. A fadiga associada ao parto e ao pós-parto, às noites mal dormidas e à nova rotina de vida é algo inevitável, portanto, é fundamental reconhecê-la em si mesmo e também no outro, pois a fadiga vai pressionar os limites da tolerância e da irritabilidade. Não se contente em esperar que o seu companheiro venha espontaneamente em seu auxílio e não hesite em pedir a sua ajuda, pois ele por si só pode não se dar conta de que você não agüenta mais, ele não é adivinho. Este é um bom período para evidenciar a solidariedade do casal.  

Além do cansaço físico, é primordial reconhecer a sua própria fragilidade emocional e ficar atento para não permitir que a depressão se instale. Sejam atenciosos um com o outro; verbalizem os seus sentimentos de desânimo, as suas oscilações de humor, as dúvidas, interrogações e decepções.

Agora mais do que nunca, o diálogo é indispensável para manter a cumplicidade e a coesão do casal. Saber escutar um ao outro é importante, assim como saber aceitar o outro como ele ou ela é, e não como a gente gostaria que fosse. Os papeis do “bom pai” e da “boa mãe” não estão escritos em lugar algum. Cada qual deve poder exprimir suas vontades e agir de acordo com suas capacidades. Quanto mais rígidas são as expectativas, mais consideramos que o outro não assume seu papel corretamente, e isso aumenta a chance de termos ao final uma decepção com todo o seu séquito de críticas. A parentalidade se constrói aos poucos. Tornar-se mãe ou pai demanda tempo, não é algo imediato. É preciso exercitar a flexibilidade e valorizar o companheiro ou companheira para que ele/ela se sinta cada vez mais legitimado(a).

Reencontrar o caminho da intimidade

Outra dificuldade que pode sobrevir de forma inesperada e devastadora : o ciúme do cônjuge em relação ao recém-nascido. Conforme destaca o Dr. Geberowicz, “os problemas surgem quando um dos cônjuges tem a impressão de que o outro se dedica mais ao bebê do que ao parceiro, e se sente negligenciado, abandonado”.  Após o nascimento, é normal que o bebê se torne o centro do mundo. É indispensável que os dois genitores entendam que a ligação entre mãe e filho nos primeiros três ou quatro meses é necessária, tanto para o bebê como para a mãe. Os cônjuges precisam aceitar a idéia de que o casal  ficará em segundo plano por algum tempo.

Sair para uma escapada romântica de fim-de-semana é algo impossível, pois isso seria prejudicial ao equilíbrio do recém-nascido, porém o corpo a corpo da mãe com o bebê não ocupa 24 horas por dia. Nada impede que o casal compartilhe seus pequenos momentos de intimidade a dois depois que o bebê dorme. Aí é hora de deixar de lado o celular e o computador para se reencontrar e conversar, relaxar e trocarcarícias para que o pai não se sinta excluído.

E por falar em intimidade, isso não significa necessariamente relação sexual. A retomada das relações sexuais é motivo de várias discórdias. Uma mulher que acaba de dar à luz não está com a libido em sua melhor forma, tanto do ponto de vista físico como psicológico. Nem os hormônios estão normais. Colegas bem-intencionados nunca deixam de lembrar que o bebê ‘é o fim’ para o casal, e que um homem normal corre o risco de ficar tentado a se aventurar por aí se a esposa não voltar prontamente a fazer amor!  Se um dos cônjuges pressiona o outro e exige a retomada das relações sexuais cedo demais, é sinal de que o casal está ameaçado.  

Isso é ainda mais lamentável quando se sabe que é possível ter uma proximidade física, ou mesmo sensual, sem que o sexo esteja presente. Não existe timing pré-definido; o sexo não deve ser um desafio, nem uma reivindicação, nem uma coerção. Basta reavivar o desejo e recolocá-lo em circulação, sem se afastar do prazer, do toque; basta tentar agradar ao outro e mostrar que ele nos agrada, que estamos a seu lado enquanto parceiro sexual, e que mesmo se não temos desejo de fazer amor neste momento, existe o desejo de que isso seja retomado. Essa perspectiva de um futuro retorno do desejo físico tranquiliza e evita que se caia no círculo vicioso onde cada um espera que o outro dê o primeiro passo:  “Eu noto que ele/ela não me deseja mais, é assim mesmo, e por isso eu também não o/a desejo mais, isso é normal”.  Assim que os amantes estiverem novamente em sintonia, a presença do bebê forçosamente induz a modificações na sexualidade do casal.  É preciso levar em conta essa nova informação, as relações não são mais tão espontâneas e devemos considerar a preocupação de que o bebê nos ouça e acorde. Porém, com toda certeza, se a sexualidade conjugal perde em espontaneidade, ela ganha em intensidade e profundidade.

Romper o isolamento e saber se envolver

A repercussão das dificuldades enfrentadas pelo casal será multiplicada caso os pais novatos permaneçam em circuito fechado, pois o isolamento reforça a impressão de que eles não são competentes.  Nas gerações precedentes, as jovens puérperas* eram cercadas pela própria mãe e pelas outras mulheres da família, beneficiando-se da transmissão da experiência, dos conselhos e do apoio.  Hoje em dia os jovens casais se sentem sozinhos, carentes e não ousam se queixar.
* que acabam de dar à luz

Quando temos um bebê, mas nos falta experiência, é válido fazer perguntar aos amigos e familiares que já tiveram filhos. Pode-se também usar as redes sociais e os fóruns em nossa busca por sermos reconfortados. A gente se sente menos sozinho quando troca experiências com outros pais que vivem os mesmos problemas que nós. Atenção: o fato de encontrar toneladas de conselhos contraditórios também pode gerar ansiedade, então é preciso ser prudente e confiar no próprio bom-senso. E se estivermos realmente com dificuldades, é preciso não hesitar em pedir o conselho de especialistas competentes.  Quanto à família, mais uma vez, é preciso encontrar a distância certa. Adote os valores e as tradições familiares com as quais você se identifica; siga os conselhos que você considera pertinentes e deixe de lado, sem qualquer culpa, aqueles que não correspondem ao casal de pais que você e seu/sua parceiro(a) querem ser. 

* Autor do livro “Le couple face à l’arrivée de l’enfant. Surmonter le baby-clash” [em livre tradução, ‘O casal diante da chegada da criança. Superando o baby-clash’] ,  Éditions Albin Michel

A Síndrome de Estocolmo

A revista Mistérios da Psique, uma publicação da Editora Mythos, em sua edição nº 7, de março de 2017, conterá o seguinte artigo:

 A Síndrome de Estocolmo
Relações de Poder Desequilibradas

 

Em 23 de agosto de 1973, Jan-Erik Olsson, um ex-presidiário em liberdade condicional, iniciou um assalto a banco que acabaria fracassando, mas daria uma nova interpretação à maneira como o mundo vê situações envolvendo reféns e os efeitos psicológicos resultantes de relações de poder desequilibradas.

O incidente teve início quando Olsson entrou em uma agência bancária no centro de Estocolmo, a capital da Suécia, armado com uma metralhadora. Inicialmente, exigiu a libertação da prisão de um comparsa, Clark Olofsson, que, então, se juntou a ele na agência bancária. Na tentativa inicial da polícia de capturar a dupla, Olsson atirou nos policiais, ferindo dois deles. Resultou um drama que durou cinco dias e envolveu até mesmo o primeiro-ministro sueco na época, Olof Palme, nas negociações para a libertação dos reféns. Olsson levou quatro reféns (três mulheres e um homem) para dentro da sala do cofre da agência. Afixou aos reféns cargas de dinamite e conectou-as a armadilhas que detonariam a dinamite e matariam os reféns se houvesse a tentativa das autoridades policiais de lançar nova operação de resgate. O incidente terminou em 28 de agosto, quando as autoridades policiais utilizaram gás paralisante e invadiram o estabelecimento. Nem Olsson, nem Olofsson e nem os reféns se feriram.

Ao serem libertados, os reféns mostraram ter mais simpatia pelos seus captores do que pela polícia que os libertara, chegando ao ponto de publicamente lamentarem o seu resgate. Dois dos reféns tornaram-se amigos de seus captores e organizaram uma coleta de dinheiro que foi usado para custear a defesa deles nos tribunais. O apoio aos captores, em detrimento da apreciação do trabalho de libertação da polícia, continuou por muitos anos após o incidente e há notícias de que duas das reféns visitaram os criminosos na prisão.

Olsson cumpriu pena pelo fracassado assalto, tendo sido libertado em 1980. Viveu por 15 anos na Tailândia, com sua esposa daquela nacionalidade, com quem teve um filho. Atualmente vive a vida de septuagenário aposentado na Suécia, onde se tornou uma celebridade. Em uma entrevista, declarou: “os reféns ficaram mais ou menos ao meu lado e me protegeram em algumas situações para que a polícia não atirasse em mim. Eles até mesmo desciam até o banheiro e a polícia queria que eles lá ficassem, mas sempre voltavam para onde eu estava.”   

Kristin Enmark, uma das reféns, na época, declarou em entrevista telefônica: “não tenho medo algum do Clark e do outro sujeito. Tenho medo da polícia. Você entende? Confio neles plenamente. Acredite se quiser, mas passamos momentos muito agradáveis aqui.”

Um psiquiatra americano, Frank Ochberg, leva o crédito por ter cunhado o termo “Síndrome de Estocolmo” que passou a representar um novo conceito de distúrbio comportamental, caracterizado pela dependência emocional da vítima em relação ao seu captor, algoz, abusador ou, em termos genéricos, ao seu “dominador”.

A Síndrome de Estocolmo ocorre quando a vítima se alia emocionalmente ao dominador para se proteger da ameaça do uso de violência, para preservar a sua integridade física e sobreviver.

Estudiosos do assunto concordam que algumas outras condições são essenciais à caracterização da Síndrome de Estocolmo: (1) sentimentos positivos da vítima em relação ao dominador; (2) sentimentos negativos da vítima em relação a familiares, amigos ou autoridades empenhados em seu resgate, para lhes prover apoio, ou obter sua libertação; (3) apoio da vítima às motivações e ações do dominador; (4) sentimentos positivos do dominador em relação à vítima (recíproca afetiva); (5) ações de apoio da vítima ao dominador, podendo chegar a efetivamente ajudá-lo; (6) incapacidade da vítima em se engajar em sua libertação física ou emocional, mesmo quando tem condições de escapar do jugo do dominador.

No que constitui um ato de negação, a vítima visa a se convencer de que estará protegida ao se subjugar e que o dominador “cuidará” dela. Ocorre um processo de infantilização, com a vítima acomodando-se no papel de criança amparada pela “mãe” (o dominador). Ao criar essa falsa ligação emocional e buscar a apreciação e a aprovação do dominador, cria para si uma falsa realidade que a faz acreditar que nenhum mal poderá atingi-la porque ela “ama” o dominador e obedece a todos os seus comandos. Ao defender e/ou proteger o dominador das autoridades policiais, ou de quem quer que seja que venha para ajudá-la, a vítima acredita que possui um mínimo de controle sobre a relação com o dominador, mas que, de fato, não possui. O valor de sua vida, que lhe é “dada” pelo dominador, é traduzido em afeto ou amor, e a vítima busca corresponder a esse sentimento do dominador para manter o equilíbrio emocional (na verdade, é manter o desequilíbrio emocional) estabelecido entre ambos. Quando a vítima aceita tornar-se um mero objeto, abrindo mão de sua dignidade humana, ela enfraquece a sua capacidade de controlar as suas próprias emoções. Ela se anula emocionalmente. Isso a torna maleável, fazendo-se facilmente suscetível aos caprichos de seu dominador, criando essa relação desequilibrada entre a vítima e o dominador.

A Síndrome de Estocolmo se caracteriza mais especificamente quando existe uma situação envolvendo reféns, mas essa relação desequilibrada entre vítima e dominador é bastante comum na vida em sociedade e foi analisada em muitos outros contextos. Por exemplo, ela ocorre com crianças e mulheres abusadas, com destaque para os casos de prostitutas oprimidas e exploradas por seus cafetões, em cultos religiosos, em relações conjugais ou outras relações sociais em que uma pessoa exerce um domínio desproporcional sobre uma outra pessoa, em situações que ocorrem em campos de prisioneiros de guerra ou em presídios, e até mesmo em movimentos políticos, em que líderes populistas exercem um fascínio sobre as massas. Em suma, ocorre sempre que pessoas ou instituições exercerem um controle desproporcional ou abusivo sobre quem não pode se defender ou pensa não poder se defender.

Observa-se que a escravidão de africanos, ocorrida nas Américas por mais de 300 anos, e a de outros povos ao longo de milhares de anos na história da humanidade, presta-se a exemplificar uma relação desequilibrada entre o proprietário e o escravo, que molda até os dias atuais a cultura do preconceito social, com a vítima (o escravo) sendo rotulado de ser “inferior” à categoria social a que pertence o dominador (o proprietário do escravo). Isso é tão mais verdadeiro quando há diferenças de etnia e de raça entre um e outro. Há nos livros de história relatos sobre como muitos escravos africanos não queriam ser libertados quando houve a abolição porque perderiam a sua referência da ordem social e o “afeto” e os “cuidados” que recebiam de seus dominadores. Esse anseio falava mais alto do que o sofrimento vivido na condição de aprisionado, subjugado, abusado ou maltratado.

Porquanto conceito básico, a Síndrome de Estocolmo é a dualidade de uma relação de poder de uma pessoa sobre outra. Uma pessoa feita refém se torna profundamente envolvida com o seu captor devido à típica circunscrição ambiental, e porque apesar de abusos e ameaças, e a crença da vítima de que poderá vir a sucumbir caso se rebele contra o dominador, ambos, vítima e dominador, precisam aceitar a situação que vivem como única forma de contato e de empatia a uni-los. A necessidade de ter, ainda que sob coerção, o sentimento de aprovação e reafirmação vindo do dominador, em combinação com o sentimento de medo e castigo, cria o tipo de vínculo tão desprezível como o que é sintetizado na Síndrome de Estocolmo.

É preciso dizer claramente que a Síndrome de Estocolmo não é um estado psíquico diagnosticado pela literatura acadêmica. É, essencialmente, um conceito criado pela mídia em função da ampla repercussão de casos que chegaram às manchetes dos jornais e sensibilizaram a opinião pública em maior ou menor grau. Sobre esse assunto, existem na literatura mundial diversos casos que foram amplamente explorados pela mídia. Todos esses casos evidenciaram as seguintes características em comum: (1) todas as vítimas eram jovens; (2) todas foram diretamente ameaçadas, ou efetivamente abusadas, física, emocional e/ou sexualmente; (3) todas ficaram confinadas fisicamente; (4) em todos os casos menos um as vítimas tiveram a oportunidade de se evadir, mas não o fizeram. Parece haver um certo conforto psíquico em poder classificar casos de domínio de vítimas como casos da Síndrome de Estocolmo porque permite explicar um comportamento humano que não é de outro modo explicável pelas ciências da psique.

Neste artigo, mencionarei alguns dos casos mais frequentemente citados na literatura internacional. Nos primeiros dois casos explicados a seguir, o pano de fundo do aprisionamento das vítimas, que eram mulheres, era a realização de ideais de seus captores.

O primeiro caso é o de Patricia Hearst, filha do magnata americano das comunicações William Randolph Hearst, sequestrada de sua casa aos 19 anos de idade em 4 de fevereiro de 1974 por elementos de uma organização política marxista chamada “Exército Simbionês de Libertação”. A ESL professava lutar contra o racismo, a monogamia e o sistema penitenciário e pretendia formar “lares” para minorias étnicas, utilizando-se da luta armada urbana para causar impacto e aparecer na mídia, visando a provocar uma revolta popular e a adesão às suas propostas. Patricia Hearst teria ficado trancafiada por dois meses em minúsculo espaço de confinamento, com os olhos vedados, no qual teria sido repetidamente abusada física, psicológica e sexualmente por integrantes do ESL, e submetida a rigorosa doutrinação nos ideais da organização. Teria sofrido lavagem cerebral (o argumento usado por sua defesa durante o seu julgamento), aderido ao grupo e participado de suas ações criminosas usando o nome de Tânia (supostamente, em homenagem à esposa de Che Guevara, herói da revolução socialista cubana). Apareceu em fotografias na mídia portando arma de fogo e renegando sua vida “burguesa”. Em setembro de 1975, foi detida pelo FBI, e, em março de 1976, levada a julgamento por assalto à mão armada. Foi considerada culpada por um júri popular e condenada a sete anos de prisão. Após cumprir 21 meses da pena, ela foi comutada pelo presidente Jimmy Carter, e em janeiro de 2001, o presidente Bill Clinton concedeu-lhe pleno indulto presidencial faltando poucas horas para o término de seu mandato presidencial.

O segundo caso, também ocorrido nos EUA, é o de Elizabeth Smart, sequestrada de sua casa no estado de Utah, em junho de 2002, aos 14 anos e meio de idade. Nove meses mais tarde foi apreendida em uma blitz policial, caminhando na companhia de um casal de moradores sem teto, Brian Mitchell e sua companheira Wanda Barzee. Mitchell executara serviços na casa da família de Elizabeth e, portanto, conhecia a rotina da casa da menina. Elizabeth não revelou inicialmente a sua verdadeira identidade aos policiais que a apreenderam. Soube-se que ela não se aproveitou de diversas oportunidades para fugir. Suspeita-se que, a exemplo de Patricia Hearst, tenha sofrido lavagem cerebral. Mitchell, que se via como profeta religioso, fora expulso da congregação religiosa dos Mórmons e defendia a poligamia que aquela agremiação religiosa rejeitara formalmente havia muitos anos. Afirmava que considerava Elizabeth sua mulher e que a sequestrara atendendo a um chamado divino. Segundo depoimento de Elizabeth durante o julgamento de Mitchell, em que este foi condenado à prisão perpétua, Mitchell a estuprava diariamente, às vezes repetidamente ao dia, obrigava-a a assistir a filmes pornográficos e a consumir bebida alcoólica para “sossegá-la”.  Wanda Barzee, considerada psiquicamente perturbada, foi condenada à pena de 15 anos de reclusão. Atualmente, Elizabeth é casada, tem uma filha e está gravida de outro filho que nascerá no início de 2017. É jornalista e ativista na atividade de proteção a crianças, tem uma ONG para essa finalidade, e atua proativamente no combate à pornografia. É uma dedicada seguidora e ativista na Igreja Mórmon.

Outro caso ocorrido nos Estados Unidos envolveu Ariel Castro, um motorista de ônibus escolar, e suas três vítimas: Amanda Berry, Gina DeJesus e Michelle Knight. Castro sequestrou as três jovens em datas separadas e manteve-as aprisionadas por uma década em sua modesta casa na cidade de Cleveland, Ohio, onde construiu verdadeira prisão no porão. Durante o cativeiro, foram sistematicamente abusadas sexualmente, espancadas, mal alimentadas e mantidas acorrentadas ou em isolamento individual por longos períodos. Castro não permitia que as moças convivessem e fazia um terror psicológico entre elas para que desconfiassem uma das outras e não pudessem se aliar. Amanda chegou a ter uma filha gerada por Castro, e, em 2013, aproveitando-se de um descuido dele ao se ausentar da casa, que permitiu que ela se movimentasse nela, conseguiu se comunicar com os vizinhos, que chamaram a polícia. Castro foi condenado à prisão perpétua por sequestro, cárcere privado e assassinato (uma de suas reféns abortou após ser espancada por Castro). Enforcou-se na prisão um mês depois de iniciado o cumprimento da pena. Não terá suportado o sofrimento do confinamento que impôs a suas vítimas por 10 longos anos.

Um caso acontecido na Áustria também é ilustrativo do desequilíbrio de forças emocionais entre vítima e dominador. Em abril de 2008, uma chocante história de incesto e estupro veio à tona no vilarejo austríaco de Amstetten. Josef Fritzl, aos 73 anos, foi preso e posteriormente condenado à prisão perpétua, por manter em cárcere privado, no porão de sua casa, por um período de 24 anos, a própria filha, chamada Elisabeth, e três de sete filhos que ela teve gerados por Fritzl. O mais velho desses três filhos tinha 18 anos e o mais novo 5 anos, quando foram libertados e viram, pela primeira vez na vida, a luz do dia. À época do confinamento de Elisabeth, Fritzl era casado com a mãe dela, Rosemarie, com quem teve outros sete filhos. Elisabeth foi estuprada pela primeira vez pelo pai aos 11 anos de idade. Aos 15 anos, cansada dos abusos do pai, fugiu de casa, mas, encontrada em Viena três semanas depois, foi devolvida à família pelas autoridades. Nessa época, Fritzl havia começado a construir o calabouço no porão da casa, e em dado momento, pediu à Elisabeth que o ajudasse a instalar uma porta no porão. Concluída a tarefa, anestesiou a filha com um pano embebecido em éter e a prendeu no cativeiro – um compartimento secreto, de uns 60 metros quadrados e 1,70 metros de altura, sem luz ou ventilação naturais. Para a sua mulher e para as pessoas em geral, ao explicar o sumiço de Elisabeth, aos 19 anos de idade, contou que ela fugira para se unir a uma seita. Um mês depois de seu desaparecimento apareceu uma carta dela explicando essa história inventada pelo pai. Foi obrigada por Fritzl a escrever a carta, bem como outras que acompanhavam os quatro filhos dela que não ficaram no cativeiro, mas foram depositados ainda bebês à entrada da casa. Nas cartas solicitava que os pais, Fritzl e Rosemarie, cuidassem das crianças que ela, Elisabeth, não tinha condições de criar.

O incidente em Estocolmo durou 5 dias. A odisseia de Patricia Hearst, quase dois anos. Ariel Castro encarcerou suas três vítimas por 10 anos. Fritzl, o “monstro de Amstetten” aprisionou a filha e três filhos dela, de quem ele era ao mesmo tempo pai e avô, por até 24 anos. Esses casos têm em comum o desequilíbrio emocional entre vítima e dominador e, ainda que haja diferenças pontuais nas características e na intensidade das variáveis características da síndrome em cada caso, pode-se afirmar que se configura sim a “Síndrome de Estocolmo” em todos os casos, na medida em que as vítimas tiveram de se conformar à vontade do respectivo dominador, criando vínculos afetivos e fazendo-o para sobreviver.

 

Fonte exclusiva: Diversos sites na Internet, entre os quais:

https://www.researchgate.net/profile/Elizabeth_Sampson/publication/5819575_%27Stockholm_syndrome%27_Psychiatric_diagnosis_or_urban_myth/links/551020c10cf224726ac521d1.pdf;

www.nurturingpotential.net/Issue13/Stockholm.htm;

serendip.brynmawr.edu › Home › Blogs › SerendipUpdate's blog;

studymoose.com/stockholm-syndrome-essay;

www.thejournal.ie/where-stockholm-syndrome-phrase-came-from-1047449-Aug2013/;

counsellingresource.com › Therapy › Self-Help and Overviews;

https://newsdeskinternational.wordpress.com/.../the-children-of-josef-fritzl-5-years-lat...;

www.cnn.com/2013/09/04/justice/ariel-castro-cleveland-kidnapper-death/;

www.dailymail.co.uk/.../Cleveland-house-horrors-survivors-reveal-Ariel-Castro-raped....

Escravidão Emocional

A escravidão, uma instituição milenar, foi formalmente abolida na quase totalidade dos países ainda no século 19. É definida como a propriedade de uma pessoa (o escravo) por outra pessoa (o amo), com este tendo o poder de vida e morte sobre o seu patrimônio econômico – o escravo. Sabemos, pelos noticiários, que, esporadicamente, são descobertas pessoas vivendo em “estado análogo à da escravidão”. Essa escravidão pode ser econômica e constitui, então, crime definido em lei, ou pode ser uma escravidão emocional, que se configura como abuso psicológico, muitas vezes de difícil enquadramento e comprovação criminais.

Milhões de pessoas mundo afora são escravas emocionais. Vivem em relacionamentos opressivos, em que são vítimas de seus algozes psicológicos, que podem ser o seu cônjuge, namorado, pai, irmão, chefe, ou qualquer pessoa, homem ou mulher, que exerça um domínio abusivo sobre elas.

Que circunstâncias são o campo fértil para a formação de uma relação opressiva? São quatro: 1. A vítima tem a percepção da existência de uma ameaça, física ou psicológica, e da convicção de que uma desgraça dela decorrente poderá realmente ocorrer; 2. A vítima fica agradecida quando o opressor a agrada com atos eventuais de gentileza, de condescendência emocional, que a tornam mais dócil e obediente; 3. A vítima vive uma realidade de absoluto ou relativo isolamento social; e 4. A vítima tem a convicção de que não pode se libertar de seu opressor.

Quando uma pessoa é a vítima de uma relação opressiva, ela aprende a ter cuidado com o que fala, temendo causar a ira do opressor, que pode resultar em ato de violência física ou verbal. Consequentemente, a vítima procura agradar ao opressor, satisfazendo à sua vontade, a seus desejos, e cumprindo, sem questionar, as ordens ou instruções recebidas do opressor. O opressor, por sua vez, se satisfaz psicologicamente com o poder que exerce sobre a vítima e tende a aumentar cada vez mais o nível de abuso praticado.

A vítima concorda que seja mantida isolada de seu meio social, muitas vezes por sentir vergonha diante da falta de sua combatividade para se libertar. Ela passa a se esconder de todos: família, amigos, colegas, enfim, do mundo. A vítima sucumbe ao que entende ser o “seu destino” e se resigna na sua condição de escravo emocional. O seu espaço de vida passa a ser aquele definido pelo seu opressor, e, para muitas vítimas, essa situação é aceitável porque torna a sua vida previsível.

É comum a vítima não conseguir se libertar de uma relação opressora. Existirão os laços afetivos e emocionais em relação ao opressor, quiçá haverá questões financeiras que inviabilizem uma libertação, aspectos jurídicos, filhos menores que se tornariam vítimas de uma separação, e até mesmo ameaças de morte ou suicídio que poderiam se concretizar se houver o rompimento da relação opressora.

Existe um fenômeno chamado a “Síndrome do Elefante Bebê”. O processo de domesticação de um elefante selvagem começa quando o animal é capturado ainda bebê. Ele é amarrado ou acorrentado, todas as noites, e não consegue se soltar. Acaba se conformando e nunca mais tentará se libertar. Quando adulto, aceita ser amarrado ou acorrentado e nunca tentará romper as amarras que o prendem.

Nós, seres humanos, diferentemente dos elefantes, temos a nossa racionalidade, que nos permite cortar, se quisermos, as amarras de uma relação opressora.

Há 8 considerações sobre como fazer para nos libertarmos:

1.     Acredite em você. Pense grande e sonhe grande. É preciso focar em suas forças conhecidas e trabalhar para superar suas limitações. Evite comparar-se com outras pessoas e não permita que circunstâncias externas determinem o que você pode realizar;

2.     Trabalhe dedicadamente. Faça o que puder fazer e não perca tempo e energia emocional sentindo pena de você mesmo diante das dificuldades. Assuma a responsabilidade por sua vida. Pare de pensar que você é “propriedade de alguém”. A vida não nos dá o roteiro de alcançar o que almejamos - é preciso criá-lo e correr atrás.

3.     Seja positivo. Transforme o negativo em positivo e torne a sua experiência de viver algo construtivo e gratificante. Liberte-se da contaminação pela negatividade. Não se oriente pela opinião de outras pessoas sobre você e não se sinta atingido pessoalmente por ela. Projete o seu futuro e mantenha o foco nele.

4.     Nunca desista. Seja confiante e lute ferrenhamente para alcançar o objetivo traçado.

5.     Seja paciente. Imunize-se contra a corrosão da dúvida que vem com o passar do tempo. Analise e reanalise a situação à medida em que o tempo alterar a realidade.

6.     Não abra mão de manter relações sociais que lhe complementem, que agreguem valor e conhecimento à realização de seus objetivos. Alie-se a pessoas que lhe ajudarão porque veem o seu valor.

7.     Tenha fé em sua capacidade realizadora.

8.     Faça dos livros os seus grandes amigos. Busque aperfeiçoar-se pela leitura, pela expansão contínua do conhecimento.

Essas 8 recomendações podem ser sintetizadas no que chamo de “viver conscientemente”. Quando aprendemos a nos auto enxergar, a detectar o que queremos realizar, quando conseguimos ver o objetivo que queremos atingir e a trajetória para lá chegar, podemos controlar as nossas emoções de incerteza, raiva, inveja, ciúme, ansiedade e angústia, e nos libertar da escravidão emocional auto imposta ou imposta por um opressor. Somos nós, e apenas nós, quem determina a nossa felicidade.

MELANCOLIA NATALINA


24 de dezembro de mais um ano. Véspera de mais um Natal, que, no mundo cristão, celebra o nascimento de Jesus Cristo, mas que é também comemorado por pessoas de outros credos religiosos, agnósticas ou ateias, que se aproveitam da ocasião para presentear entes próximos nesse evento de congraçamento familiar. Mas, além de religioso, o Natal é um evento econômico dos mais significativos.

Dezembro é o mês de maior sensibilidade emocional para pessoas melancólicas, porque é na virada do ano que a humanidade faz o balanço do ano que finda e traça a esperança em relação ao ano novo que se inicia.

Pessoas melancólicas tendem a ser permanentemente tristonhas. Geralmente são introvertidas, solitárias, pensadoras, muitas vezes têm vocação para a genialidade e o dom artístico e criativo. São perfeccionistas, comedidas no compasso da vida, com compreensão clara de tarefas e sistemas, mente analítica-crítica e desafiadora, além de visão clara das dificuldades e possibilidades de um projeto a realizar.

Tendem a ser cronicamente mal humoradas e negativistas, com tendência à depressão e dificuldade para se relacionarem socialmente. Têm poucos amigos e vivem de acordo com rotinas e hábitos difíceis de mudar, têm tendência suicida, baixa autoestima e são pessimistas por natureza.

Para pessoas com esse perfil, o Natal pode desencadear a Melancolia Natalina, que é um estado depressivo passageiro, causado pela percepção inconsciente de que envelheceram mais um ano e que, portanto, estão mais próximas da morte, que é inevitável na vida, mas é também um dos fatores mais angustiantes para todos os seres humanos.

No caso brasileiro, a Melancolia Natalina poderá ser bastante agravada em razão da conjuntura social, econômica e política do país. A população está desesperançosa diante do evidente apodrecimento institucional a que assistimos impotentes. O país vive uma crise moral como jamais antes vivida. A saída dela não está à vista e um líder de credibilidade imaculada, que possa conduzir a nação a um porto seguro, haverá, ainda, de despontar no horizonte.

Aos meus amigos e amigas virtuais no Facebook e a todos que me conhecem pessoalmente, desejo que não sejam vítimas da Melancolia Natalina e que o ano novo lhes traga a realização de sonhos e objetivos e lhes proporcione o que todos almejamos na vida – a Felicidade.

O que é amar um filho?

Nunca ouvi um pai ou uma mãe dizer que não amasse um filho, mas a prática mostra que muitos pais verdadeiramente não amam seus filhos. Como assim, não amam um filho? Amar um filho não é a “coisa” mais natural do mundo? Não é algo inato? Para responder a essa pergunta, precisamos conceituar do que estamos tratando, porque amar um filho é um conjunto variado e complexo de atitudes e ações.

Quando nasce um filho, o sentimento natural que se espera dos pais é o da bem querência para com essa pessoa. Esse sentimento chamamos de amor paterno ou materno. Assim, o objetivo social ideal dos pais é fazer com que o filho amado se desenvolva para ser uma pessoa de bem na sociedade, para que viva uma vida digna e edificante.

Além desse “amor”, todas as crianças necessitam receber dos pais, desde o nascimento e até o momento de sua emancipação, a clara consciência de quais normas de conduta regerão a sua criação e os respectivos limites a essa conduta. O rompimento aos limites precisa ser punido de forma educadora, mas jamais com violência física, em um ambiente de empatia e respeito mútuos. Essa imposição disciplinar dos pais é a tarefa mais difícil que enfrentam, porque exige deles a habilidade de equilibrar emoções e sentimentos com critérios objetivos e racionais. Iludem-se os pais que pensam que podem terceirizar essa responsabilidade à escola, a instituição cuja função é tão somente a de transmitir conhecimento, ou a pessoas estranhas à família.

Os filhos precisam ter a noção de quem é a autoridade no núcleo familiar. É o pai? É a mãe? São o pai e a mãe conjuntamente, dependendo das circunstâncias? O exercício da autoridade paterna e/ou materna nunca deverá ser autoritário, impositivo. Os pais têm a obrigação de convencer os filhos a seguirem a orientação que querem que seja adotada. Os filhos precisam conhecer o regulamento da família. Quais regras se aplicam ao seu comportamento? Por parte dos pais, é preciso haver coerência na aplicação dessas regras e, em havendo vários filhos, deverão valer igualmente para todos. 

Os pais precisam disponibilizar muito tempo para os filhos. É preciso conquistar a confiança dos filhos, que precisam saber que têm nos pais um “porto seguro” para ancorar quando enfrentarem crises existenciais, quando estiverem doentes, desorientados ou apenas precisando de aconselhamento, de acolhimento. Se os pais negarem esse acolhimento aos filhos, não terão legitimidade para cobrar o respeito dos filhos às normas estabelecidas e verão que os filhos buscarão uma solução para suas angústias no mundo externo, o que embute o perigo do desvio de conduta em más companhias ou a sucumbência às falsas consolações das drogas, do alcoolismo ou da criminalidade.

Ser pai ou mãe não se limita a dar vida a um filho. É preciso ser eficaz no que é uma tarefa árdua de muitos anos. Muitos pais infelizmente não têm a competência de amar um filho nesse sentido mais amplo, que vai muito além da bem querência, e o resultado é que uma parcela considerável da sociedade é constituída de indivíduos “imprestáveis” para uma convivência social edificante.

QUASE TODO MUNDO FAZ TERAPIA EM BUENOS AIRES

Autora: Olívia Goldhill – artigo publicado no site QUARTZ (qz.com)
Tradutor do texto em inglês – Ben Franz
Revisora do texto em português – Bruna Machado Moraes Martins

 

A terapia tem papel destacado na vida na Argentina. O país tem o mais elevado número de psicólogos per capita do mundo, com aproximadamente 198 profissionais para cada 100 mil habitantes, dos quais se estima que 46% se concentrem em Buenos Aires. Como a cultura argentina vê a terapia como importante para o autodesenvolvimento e para uma saúde positiva, existe uma grande demanda a ser satisfeita. Mas, em vez de se submeter a tratamento cognitivo ou comportamental, a maioria das pessoas procura uma forma muito específica de terapia: a Psicanálise. 

A Psicanálise, fundada por Sigmund Freud no século 19, utiliza fantasias, sonhos e a livre associação na fala para descobrir ideias reprimidas no inconsciente e ajudar o paciente a adquirir novas percepções quanto às suas emoções e experiências.

Mariano Plotkin, professor de história na Universidad Nacional de Tres de Febrero e uma destacada autoridade em matéria de história da Psicanálise na Argentina, explica que, embora a Psicanálise fosse conhecida em Buenos Aires desde a década de 1910, ela vivenciou uma explosão cultural depois da derrocada do presidente ditador Juan Perón em 1955. 

“Isso desencadeou período de rápida modernização cultural na Argentina”, disse Plotkin. “Havia grande receptividade para tudo que vinha da Europa. A Psicanálise era vista por muitos como uma doutrina emancipadora. ”

“Alguns psicólogos conhecidos, como Enrique Pichon-Rivière, haviam emigrado para a Argentina, de modo que o país possuía uma sólida base de conhecimentos psicanalíticos”, afirma Andrew Lakoff, professor de sociologia na University of Southern California, que conduzira pesquisas sobre a Psicanálise na Argentina. Entre a classe média escolarizada de Buenos Aires, o autodesenvolvimento gozava de muito prestígio.

Nas décadas de 1960 e 1970, afirma Lakoff, a Psicanálise se tornou não apenas “uma forma prestigiosa de se entender e formar”, senão, também, uma ideologia política de esquerda.

Durante o período de supressão cultural, nas ditaduras dos anos 70, a Psicanálise era vista como subversiva. Um grupo chamado Federación Argentina de Psiquiatras associou a Psicanálise à teoria marxista. Esse grupo era um alvo dos militares e, segundo Lakoff, os psicanalistas encontravam dificuldades para encontrar trabalho e publicar seus escritos. Com a volta da democracia, em 1983, tornou-se novamente algo de prestígio, porque era associado à noção de resistência ao totalitarismo”, disse Lakoff.

Outro momento marcante da Psicanálise na Argentina, afirma Plotkin, foi quando o intelectual Oscar Masotta trouxe ideias do psicanalista francês Jacques Lacan para a Argentina, em uma série de palestras e com a publicação de livros nos anos de 1970. 

“Quando, hoje em dia, se fala de Psicanálise em Buenos Aires, na verdade está se falando de Psicanálise lacaniana francesa. ” Diz ele: “as elites intelectuais argentinas sempre foram muito receptivas a tudo o que vinha da França. ” “A paixão pela cultura francesa é um fenômeno comum na América Latina, embora aqui em Buenos Aires exista uma maior população de classe média com acesso a esses elementos culturais. ”

De fato, muitas universidades argentinas, hoje, mantêm enormes departamentos de Psicologia, dedicados quase exclusivamente ao estudo de vários aspectos da Psicanálise lacaniana.

O foco acadêmico nessa área da Psicologia ajuda a sustentar um fluxo constante de profissionais da Psicanálise. Lakoff explica que os psicanalistas não necessitam de um diploma em Medicina e, depois de obter sua formação em curso de graduação em Psicologia, podem iniciar o seu treinamento para se tornarem psicanalistas.

Embora alguns psicanalistas sejam “careiros”, existem muitas opções mais em conta, com sessões terapêuticas mais acessíveis, custando a partir de 150 pesos (+/- R$ 45).

“Não é necessariamente associada a patologias, mas sim, à boa saúde. Pensa-se na Psicanálise como algo que todos deveriam fazer”, afirma Lakoff. “Para muitas pessoas, é um processo de autoconhecimento e um meio de se tornar maduro. ”

Meki, uma moradora de Buenos Aires, de 31 anos, que regularmente se submete à Psicanálise, afirma que a maioria das pessoas que conhece, em algum momento, fizeram terapia e que suas sessões são oportunidades para a autorreflexão. “É o meu momento na semana. Eu posso falar sobre mim, mim, mim, e sobre mim”, diz ela. “Prefiro pessoas fazendo terapia em vez de estarem consumindo drogas.”

O predomínio da Psicanálise significa que é perfeitamente aceitável reorganizar os compromissos profissionais para acomodar a sessão de terapia, diz Daniela Frankenberg, uma psicóloga com consultório em Buenos Aires. Ela afirma ser normal que pessoas de todas as faixas etárias e segmentos demográficos façam terapia e que seus pacientes tendem a falar sobre “os problemas comuns e cotidianos que muitas pessoas têm”, como discussões, ansiedades, pais, filhos e o trabalho. Existem benefícios, afirma, quando se reserva tempo para falar de preocupações pessoais.

“É uma cultura que, comparativamente, consome bem menos bebidas alcoólicas e substâncias químicas. Muito menos crianças e pessoas são medicadas. Penso que isso seja algo muito mal feito nos EUA”, afirma Frankenberg. “Em Buenos Aires, a Psicanálise é vista como ferramenta para lidar com as dificuldades”, afirma ela.

PSICANÁLISE DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

A Psicanálise, conforme conceituada por Sigmund Freud, visa a descobrir no inconsciente e na história de vida de uma pessoa o porquê de algum comportamento que ela preferiria não ter, ou que ela gostaria de mudar. A conscientização sobre a possível ou a provável causa de seu comportamento constitui a “cura” no processo psicanalítico.

Houve época em que fazer psicoterapia era muito mal visto pela sociedade e dificilmente alguém admitia publicamente que estivesse em tratamento. Existia o preconceito generalizado de que a psicoterapia era “para doido”. Ainda hoje existe essa concepção equivocada, embora em menor grau, mas ela resulta em que, em determinadas situações, a terapia psicanalítica ocorra em ambiente privado, como, por exemplo, na residência ou no escritório da pessoa que se submete a tratamento. Tipicamente, um político seria um exemplo de candidato à “terapia em domicílio”, para não ter a sua imagem pública questionada.

Não obstante essa realidade, existe simultaneamente outra situação: a de pessoas que se orgulham de estar em terapia. Para elas, parece até uma questão de status. É “chique” fazer terapia e, de fato, a psicoterapia tem importantíssima finalidade social, na medida em que, quando bem-sucedida, causa mudanças comportamentais nas pessoas, e todos nós sabemos que pessoas tornadas melhores e mais felizes contribuem para o melhoramento da qualidade da sociedade como um todo.

Hoje em dia se faz psicoterapia até em embriões humanos. Essa modalidade terapêutica tem o nome de PSICOEMBRIOLOGIA ou PSICANÁLISE PREVENTIVA PRÉ-NATAL. Resulta no nascimento de bebês psiquicamente mais saudáveis ou menos traumatizados. Esse processo beneficia o bebê e a mãe, preparando-a psiquicamente para vivenciar o nascimento de seu filho de modo emocionalmente mais equilibrado.

A Psicanálise em crianças pré-púberes é uma atividade de alta especialização, baseada na ludoterapia (terapia usando jogos e brinquedos). Portanto, do ponto de vista da idade, não há limitações à utilização da psicoterapia em crianças e adolescentes, cada vez mais numerosos nos consultórios psicanalíticos.

A vida moderna se caracteriza por relações sociais mais instáveis. No Brasil e no mundo em geral, a violência (terrorismo) e a criminalidade se tornaram fatores concretos na maneira como vivemos o nosso cotidiano e, especificamente, como lidamos com os nossos filhos. O terrorismo político e religioso é motivo de preocupação mundo afora, chegando até mesmo a afetar o planejamento de viagens ao exterior. A corrupção multibilionária em nosso país é motivo de depressão coletiva em parcela considerável da sociedade brasileira e reflete-se nas atitudes individuais dos cidadãos. 

A harmonia familiar é cada vez mais difícil de ser alcançada, em parte porque, na era das comunicações globalizadas, as pessoas desaprenderam a dialogar umas com as outras. Os pais se separam – e estabelecem novas relações - com muita facilidade, e a fragilidade de muitas das relações familiares tem como consequência o comportamento alienado dos filhos, que apresentam sintomas de transtornos de toda ordem.

Entre esses fatores, incluem-se a insegurança causada pela separação dos pais (dos biológicos ou dos pais sociais, que são os parceiros em novas uniões conjugais dos pais biológicos), a hiperatividade, medos e traumas de todo tipo, como, por exemplo, a síndrome do pânico, problemas de aprendizado na escola, com déficit de atenção, e o consequente baixo rendimento escolar, além, evidentemente, da chamada alienação digital. Outro sintoma da inadequação dos jovens à vida moderna é o alto consumo de drogas, tanto as lícitas quanto as ilícitas.

Para finalizar, menciono 10 aspectos comportamentais que permitem aos pais constatarem a necessidade de psicoterapia para os filhos (fonte: Veja São Paulo, 21 de maio de 2014):

  • Agitação – a criança mostra alto grau de ansiedade ou quebra objetos intencionalmente;
  • Agressividade – a criança grita, esperneia, bate e protagoniza birras;
  • Alimentação – a criança passa a comer mais ou menos que o normal;
  • Aprendizado – a criança tira notas baixas e tem queda no rendimento escolar;
  • Comunicação – a criança não consegue contar uma história do começo ao fim, ou explicar como foi o seu dia;
  • Depressão – a criança chora mais e fica de mau humor ou irritadiça;
  • Alienação – a criança tem dificuldade de prestar atenção; 
  • Medos – a criança apresenta fobias sem motivo aparente;
  • Socialização – a criança tem dificuldade de fazer amigos e de se relacionar em grupo;
  • Sono – a criança urina na cama (fora da idade em que isso é normal), range os dentes ou tem pesadelos.

As crianças de hoje são mais mimadas porque os pais têm menos tempo para conviver com seus filhos. Tentam compensar a sua ausência sendo permissivos, não impondo limites ou proibindo ações dos filhos que jamais poderiam ser permitidas. O resultado é uma geração que vivencia um “tédio social”, uma alienação e uma rebeldia social na idade adulta que compromete o nível de harmonia da sociedade como um todo.

Superando nossos medos

A probabilidade estatística de uma pessoa morrer na queda de um avião é de 1 evento em 15 milhões. Em se tratando de acidente de automóvel, essa probabilidade é de apenas 1 evento em 10 mil. Pela lógica, deveríamos preferir o avião ao automóvel. No entanto, milhões de pessoas mundo afora preferem correr o risco maior e viajar de automóvel. Por que isso acontece?

O cérebro humano é composto de duas “faces”: uma, que podemos chamar de cérebro “primitivo”; e a outra, de cérebro “moderno”.

O cérebro primitivo (na verdade, o nosso sistema límbico) abriga as nossas emoções, os nossos sentimentos, enfim, os nossos instintos básicos. Ele existe desde quando éramos habitantes na idade da pedra e nos permitia caçar para ter alimento, abrigo, e sentir medo em relação aos perigos do meio ambiente. Condiciona-nos à ação rápida. Por exemplo, o homem primitivo de então, diante do surgimento de um animal feroz, reagia de modo ou a fugir dele ou a enfrentá-lo, de maneira instintiva, sem perder tempo com avaliações racionais de como deveria enfrentar a situação.

O processo evolutivo fez com que aprendêssemos a associar imagens a medos. Assim, quando surge um elemento ameaçador, nos vem à lembrança a imagem daquele elemento, que se traduz instantaneamente em alerta de perigo e nos condiciona a uma reação instintiva.

O cérebro moderno nada mais é do que o cérebro primitivo operando na modernidade. Por exemplo, à medida que uma pessoa associa medo à imagem de um avião, poderá ter dificuldade em superar esse medo de modo racional e consciente, embora saiba objetivamente que o avião é mais seguro do que o automóvel. E por quê? Porque o instinto fala mais alto do que a racionalidade, a menos que aprendamos a impor a racionalidade à emocionalidade.

Na vida moderna, somos constantemente bombardeados com imagens. O setor econômico da mídia vive de vender informações, a maioria vinculada a imagens. Quanto mais negativas, chocantes, sensacionalistas ou escandalosas forem as notícias e as imagens, mais informações as empresas de mídia vendem, porque o ser humano se interessa muito mais pelo negativo do que pelo positivo. O resultado é que a humanidade vive permanentemente com medo, em estado de angústia, porque o mundo é predominantemente percebido como negativo.

Quando a TV ou as redes sociais nos mostram, por exemplo, as imagens chocantes dos destroços de um avião acidentado, fazemos inconscientemente essa associação com a ideia do perigo. Essa associação mental passa a ser: avião é igual a perigo, que é igual a destruição ou até mesmo a morte, então não convém viajar de avião. Mas, se utilizarmos o nosso cérebro moderno, concluiríamos que o avião é mais seguro, e que o medo não tem razão de existir, ou de existir em grau angustiante.

O medo é, também, uma força destruidora, porque ele aniquila a nossa força de vontade. O cérebro primitivo não é responsável apenas pelo medo. Ele também causa em nós os anseios, as vontades, os desejos, inclusive para procrastinar e não analisar racionalmente o medo específico que sentimos. Para muitas pessoas, dá preguiça ter que pensar racionalmente, porque temos que avaliar os prós e os contras de uma determinada situação e tirar conclusões. Dá trabalho pensar e, para muitas pessoas, trabalhar dá preguiça. Exemplificando: quando absorvemos passivamente a negatividade que embala a absoluta maioria das informações que chega pelo noticiário, anestesiamos a nossa força de vontade, que é a energia necessária para vivermos progressivamente e agirmos proativamente. Retomando o exemplo do acidente de avião: quando refletimos racionalmente sobre a maior segurança do avião em relação ao automóvel, baseado em dados objetivos conhecidos por nós, podemos superar o medo e nos tranquilizar com base no que é real e racional. Quando nos furtamos a fazer essa análise racional do sentimento de medo, sucumbimos a ele, anulando a nossa força de vontade e inutilizando o nosso cérebro moderno.

Conclusão: Podemos superar ou pelo menos minimizar os nossos medos quando os analisamos racionalmente, dimensionando-os objetivamente. É preciso aprender a impor a racionalidade à emocionalidade, um aprendizado possível na terapia psicanalítica.