Casal : como evitar a crise do casamento após o primeiro filho?

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Hoje mais do que nunca, o nascimento de um filho representa um risco de crise para o casal. Eis aqui nossos conselhos para superar as turbulências do pós-bebê e construir sua nova família sobre bases positivas.

Crise após a chegada do bebê: as chaves para evitá-la

« Mathieu e eu estamos contentes por nos tornarmos pais em breve. Nós desejamos muito esse bebê e esperamos por ele ansiosamente. Porém, vimos tantos casais de amigos à nossa volta se separarem apenas alguns meses após a chegada do pimpolho que estamos preocupados!  Será que o nosso casamento também vai desmoronar? Esse “acontecimento feliz”, tão aplaudido por toda a sociedade, vai acabar se tornando um cataclisma?”

Blandine e seu companheiro Mathieu não são os únicos futuros pais que temem o chamado ‘baby- clash’, a crise após a chegada do primeiro filho. Trata-se de um mito ou de uma realidade?  Segundo o Dr. Bernard Geberowicz*, esse fenômeno é bem real : «Cerca de 20 a 25% dos casais se separam nos primeiros meses após o nascimento do bebê”. E o número de conflitos em andamento cresce constantemente”.

Como um recém-nascido pode colocar em perigo o casal de pais a esse ponto? Diversos fatores podem explicar isso. Primeira dificuldade enfrentada pelos pais de primeira viagem, passar de dois a três exige dar lugar a um minúsculo intruso. É preciso mudar o ritmo de vida e renunciar aos pequenos hábitos de vida do casal. Acrescente-se a essa limitação o temor de não conseguir dar conta do recado, de não estar à altura desse novo papel e decepcionar o(a) parceiro(a). A fragilização emocional, o cansaço físico e psicológico, tanto para ela como para ele, também pesam -- e muito! -- sobre a harmonia conjugal. Sem mencionar que não é nada fácil aceitar o outro com suas diferenças e sua cultura familiar que infalivelmente vêm à tona  assim que a criança entra em cena.

O Dr. Geberowicz sublinha que o aumento das crises após o nascimento de filhos com certeza também está ligado ao fato de que, na França, a média de idade dos pais por ocasião do nascimento do primeiro filho é de 30 anos.  Os pais, especialmente as mulheres,  acumulam as responsabilidades e atividades profissionais, pessoais e sociais. A maternidade sobrevém em meio a todas essas prioridades, de modo que as tensões correm o risco de serem mais numerosas e mais relevantes para as mulheres. Além do mais, e isso é digno de nota, hoje em dia os casais têm mais tendência a se separarem assim que aparece uma dificuldade. O bebê, portanto, atua como um catalisador que revela ou até amplifica os problemas já existentes entre os dois futuros pais antes da sua chegada. Isso permite compreender melhor porque começar uma família representa um momento tão sensível.

Aceitar as mudanças inevitáveis

Mesmo assim, não é preciso fazer drama! Um casal apaixonado pode perfeitamente administrar essa situação de crise, desmontar as armadilhas e os mal-entendidos para evitar o chamado ‘baby-clash’ -- o conflito decorrente da chegada de um filho. A primeira coisa é manter a lucidez. Nenhum casal consegue ficar imune a isso, pois a chegada de um recém-nascido forçosamente desencadeia turbulências.  Imaginar que nada vai mudar só piora a situação ainda mais. Os casais que escapam ao ‘baby-clash’ são aqueles que, desde a gravidez, antecipam que haverá remanejamentos e que o equilíbrio será alterado; são aqueles que compreendem e aceitam essa mudança, preparando-se para isso sem pensar na vida a dois como um ‘paraíso perdido’.

O passado da relação não deve ser a referência de felicidade -- é preciso redescobrir, juntos, uma nova forma de ser feliz. Fica difícil imaginar qual o tipo de sensação de realização que o bebê vai proporcionar a cada um dos pais, pois isso é algo muito pessoal e íntimo. Por outro lado, é essencial não cair na armadilha da idealização e dos estereótipos. O bebê real, aquele que chora e não deixa os pais dormirem, não tem nada a ver com a criança perfeita que foi imaginada durante nove meses! Aquilo que a gente sente não tem nada a ver com a visão idílica que se tinha sobre o que é ser pai ou mãe, e sobre o que é ser uma família.  Tornar-se pai ou mãe não é só felicidade, e é essencial reconhecer que somos como todo mundo. Quanto mais aceitarmos nossas emoções negativas, nossa ambivalência ou mesmo nosso arrependimento por termos entrado nesse barco, mais conseguiremos afastar o risco de uma separação precoce.

Esse é o momento de apostar na solidariedade conjugal. A fadiga associada ao parto e ao pós-parto, às noites mal dormidas e à nova rotina de vida é algo inevitável, portanto, é fundamental reconhecê-la em si mesmo e também no outro, pois a fadiga vai pressionar os limites da tolerância e da irritabilidade. Não se contente em esperar que o seu companheiro venha espontaneamente em seu auxílio e não hesite em pedir a sua ajuda, pois ele por si só pode não se dar conta de que você não agüenta mais, ele não é adivinho. Este é um bom período para evidenciar a solidariedade do casal.  

Além do cansaço físico, é primordial reconhecer a sua própria fragilidade emocional e ficar atento para não permitir que a depressão se instale. Sejam atenciosos um com o outro; verbalizem os seus sentimentos de desânimo, as suas oscilações de humor, as dúvidas, interrogações e decepções.

Agora mais do que nunca, o diálogo é indispensável para manter a cumplicidade e a coesão do casal. Saber escutar um ao outro é importante, assim como saber aceitar o outro como ele ou ela é, e não como a gente gostaria que fosse. Os papeis do “bom pai” e da “boa mãe” não estão escritos em lugar algum. Cada qual deve poder exprimir suas vontades e agir de acordo com suas capacidades. Quanto mais rígidas são as expectativas, mais consideramos que o outro não assume seu papel corretamente, e isso aumenta a chance de termos ao final uma decepção com todo o seu séquito de críticas. A parentalidade se constrói aos poucos. Tornar-se mãe ou pai demanda tempo, não é algo imediato. É preciso exercitar a flexibilidade e valorizar o companheiro ou companheira para que ele/ela se sinta cada vez mais legitimado(a).

Reencontrar o caminho da intimidade

Outra dificuldade que pode sobrevir de forma inesperada e devastadora : o ciúme do cônjuge em relação ao recém-nascido. Conforme destaca o Dr. Geberowicz, “os problemas surgem quando um dos cônjuges tem a impressão de que o outro se dedica mais ao bebê do que ao parceiro, e se sente negligenciado, abandonado”.  Após o nascimento, é normal que o bebê se torne o centro do mundo. É indispensável que os dois genitores entendam que a ligação entre mãe e filho nos primeiros três ou quatro meses é necessária, tanto para o bebê como para a mãe. Os cônjuges precisam aceitar a idéia de que o casal  ficará em segundo plano por algum tempo.

Sair para uma escapada romântica de fim-de-semana é algo impossível, pois isso seria prejudicial ao equilíbrio do recém-nascido, porém o corpo a corpo da mãe com o bebê não ocupa 24 horas por dia. Nada impede que o casal compartilhe seus pequenos momentos de intimidade a dois depois que o bebê dorme. Aí é hora de deixar de lado o celular e o computador para se reencontrar e conversar, relaxar e trocarcarícias para que o pai não se sinta excluído.

E por falar em intimidade, isso não significa necessariamente relação sexual. A retomada das relações sexuais é motivo de várias discórdias. Uma mulher que acaba de dar à luz não está com a libido em sua melhor forma, tanto do ponto de vista físico como psicológico. Nem os hormônios estão normais. Colegas bem-intencionados nunca deixam de lembrar que o bebê ‘é o fim’ para o casal, e que um homem normal corre o risco de ficar tentado a se aventurar por aí se a esposa não voltar prontamente a fazer amor!  Se um dos cônjuges pressiona o outro e exige a retomada das relações sexuais cedo demais, é sinal de que o casal está ameaçado.  

Isso é ainda mais lamentável quando se sabe que é possível ter uma proximidade física, ou mesmo sensual, sem que o sexo esteja presente. Não existe timing pré-definido; o sexo não deve ser um desafio, nem uma reivindicação, nem uma coerção. Basta reavivar o desejo e recolocá-lo em circulação, sem se afastar do prazer, do toque; basta tentar agradar ao outro e mostrar que ele nos agrada, que estamos a seu lado enquanto parceiro sexual, e que mesmo se não temos desejo de fazer amor neste momento, existe o desejo de que isso seja retomado. Essa perspectiva de um futuro retorno do desejo físico tranquiliza e evita que se caia no círculo vicioso onde cada um espera que o outro dê o primeiro passo:  “Eu noto que ele/ela não me deseja mais, é assim mesmo, e por isso eu também não o/a desejo mais, isso é normal”.  Assim que os amantes estiverem novamente em sintonia, a presença do bebê forçosamente induz a modificações na sexualidade do casal.  É preciso levar em conta essa nova informação, as relações não são mais tão espontâneas e devemos considerar a preocupação de que o bebê nos ouça e acorde. Porém, com toda certeza, se a sexualidade conjugal perde em espontaneidade, ela ganha em intensidade e profundidade.

Romper o isolamento e saber se envolver

A repercussão das dificuldades enfrentadas pelo casal será multiplicada caso os pais novatos permaneçam em circuito fechado, pois o isolamento reforça a impressão de que eles não são competentes.  Nas gerações precedentes, as jovens puérperas* eram cercadas pela própria mãe e pelas outras mulheres da família, beneficiando-se da transmissão da experiência, dos conselhos e do apoio.  Hoje em dia os jovens casais se sentem sozinhos, carentes e não ousam se queixar.
* que acabam de dar à luz

Quando temos um bebê, mas nos falta experiência, é válido fazer perguntar aos amigos e familiares que já tiveram filhos. Pode-se também usar as redes sociais e os fóruns em nossa busca por sermos reconfortados. A gente se sente menos sozinho quando troca experiências com outros pais que vivem os mesmos problemas que nós. Atenção: o fato de encontrar toneladas de conselhos contraditórios também pode gerar ansiedade, então é preciso ser prudente e confiar no próprio bom-senso. E se estivermos realmente com dificuldades, é preciso não hesitar em pedir o conselho de especialistas competentes.  Quanto à família, mais uma vez, é preciso encontrar a distância certa. Adote os valores e as tradições familiares com as quais você se identifica; siga os conselhos que você considera pertinentes e deixe de lado, sem qualquer culpa, aqueles que não correspondem ao casal de pais que você e seu/sua parceiro(a) querem ser. 

* Autor do livro “Le couple face à l’arrivée de l’enfant. Surmonter le baby-clash” [em livre tradução, ‘O casal diante da chegada da criança. Superando o baby-clash’] ,  Éditions Albin Michel