Superando nossos medos

A probabilidade estatística de uma pessoa morrer na queda de um avião é de 1 evento em 15 milhões. Em se tratando de acidente de automóvel, essa probabilidade é de apenas 1 evento em 10 mil. Pela lógica, deveríamos preferir o avião ao automóvel. No entanto, milhões de pessoas mundo afora preferem correr o risco maior e viajar de automóvel. Por que isso acontece?

O cérebro humano é composto de duas “faces”: uma, que podemos chamar de cérebro “primitivo”; e a outra, de cérebro “moderno”.

O cérebro primitivo (na verdade, o nosso sistema límbico) abriga as nossas emoções, os nossos sentimentos, enfim, os nossos instintos básicos. Ele existe desde quando éramos habitantes na idade da pedra e nos permitia caçar para ter alimento, abrigo, e sentir medo em relação aos perigos do meio ambiente. Condiciona-nos à ação rápida. Por exemplo, o homem primitivo de então, diante do surgimento de um animal feroz, reagia de modo ou a fugir dele ou a enfrentá-lo, de maneira instintiva, sem perder tempo com avaliações racionais de como deveria enfrentar a situação.

O processo evolutivo fez com que aprendêssemos a associar imagens a medos. Assim, quando surge um elemento ameaçador, nos vem à lembrança a imagem daquele elemento, que se traduz instantaneamente em alerta de perigo e nos condiciona a uma reação instintiva.

O cérebro moderno nada mais é do que o cérebro primitivo operando na modernidade. Por exemplo, à medida que uma pessoa associa medo à imagem de um avião, poderá ter dificuldade em superar esse medo de modo racional e consciente, embora saiba objetivamente que o avião é mais seguro do que o automóvel. E por quê? Porque o instinto fala mais alto do que a racionalidade, a menos que aprendamos a impor a racionalidade à emocionalidade.

Na vida moderna, somos constantemente bombardeados com imagens. O setor econômico da mídia vive de vender informações, a maioria vinculada a imagens. Quanto mais negativas, chocantes, sensacionalistas ou escandalosas forem as notícias e as imagens, mais informações as empresas de mídia vendem, porque o ser humano se interessa muito mais pelo negativo do que pelo positivo. O resultado é que a humanidade vive permanentemente com medo, em estado de angústia, porque o mundo é predominantemente percebido como negativo.

Quando a TV ou as redes sociais nos mostram, por exemplo, as imagens chocantes dos destroços de um avião acidentado, fazemos inconscientemente essa associação com a ideia do perigo. Essa associação mental passa a ser: avião é igual a perigo, que é igual a destruição ou até mesmo a morte, então não convém viajar de avião. Mas, se utilizarmos o nosso cérebro moderno, concluiríamos que o avião é mais seguro, e que o medo não tem razão de existir, ou de existir em grau angustiante.

O medo é, também, uma força destruidora, porque ele aniquila a nossa força de vontade. O cérebro primitivo não é responsável apenas pelo medo. Ele também causa em nós os anseios, as vontades, os desejos, inclusive para procrastinar e não analisar racionalmente o medo específico que sentimos. Para muitas pessoas, dá preguiça ter que pensar racionalmente, porque temos que avaliar os prós e os contras de uma determinada situação e tirar conclusões. Dá trabalho pensar e, para muitas pessoas, trabalhar dá preguiça. Exemplificando: quando absorvemos passivamente a negatividade que embala a absoluta maioria das informações que chega pelo noticiário, anestesiamos a nossa força de vontade, que é a energia necessária para vivermos progressivamente e agirmos proativamente. Retomando o exemplo do acidente de avião: quando refletimos racionalmente sobre a maior segurança do avião em relação ao automóvel, baseado em dados objetivos conhecidos por nós, podemos superar o medo e nos tranquilizar com base no que é real e racional. Quando nos furtamos a fazer essa análise racional do sentimento de medo, sucumbimos a ele, anulando a nossa força de vontade e inutilizando o nosso cérebro moderno.

Conclusão: Podemos superar ou pelo menos minimizar os nossos medos quando os analisamos racionalmente, dimensionando-os objetivamente. É preciso aprender a impor a racionalidade à emocionalidade, um aprendizado possível na terapia psicanalítica.